Newsletter #32- COVID Longa: A Outra Pandemia que Ninguém Está Vendo
O que ficou dos primeiros dois anos desta década
A pandemia da COVID-19 deixou marcas que nunca mais vamos esquecer. Aqueles dois primeiros anos desta década serão inesquecíveis para mim. Mas dentre as heranças que ficaram — e continuam se acumulando — são as mais de 100 milhões de pessoas no mundo que convivem com sintomas e sequelas deixados pelo vírus. Destas, entre 20 e 30 milhões sofrem de COVID longa cardíaca. Seguindo a prevalência de 2% a 5% dos infectados evoluindo com a versão persistente da doença, estima-se que no Brasil haja cerca de 2 milhões de pessoas convivendo com sintomas prolongados relacionados à infecção.
Nesta edição da newsletter, trago alguns dados sobre a COVID longa com foco cardiovascular, baseados em um documento publicado neste ano pelo European Journal of Preventive Cardiology, sobre prevenção de doenças cardiovasculares e manejo da COVID-19. Ao final do texto, você poderá baixar o artigo original.
Como podemos definir COVID longa?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define Long COVID como o aparecimento de novos sintomas dentro de 3 meses após uma infecção aguda por COVID-19, persistindo por mais de 2 meses sem outra explicação alternativa. As manifestações podem envolver os sistemas cardiovascular, respiratório, neuromuscular, entre outros, como consequência da resposta inflamatória gerada pelo vírus.
Na fase aguda, a COVID-19 pode causar complicações cardiovasculares graves, como miocardite, pericardite, eventos trombóticos (infarto do miocárdio, AVC, trombose venosa profunda e embolia pulmonar), além de vasoespasmo, arritmias e insuficiência cardíaca. Essas complicações podem persistir por meses ou anos, representando grandes desafios diagnósticos e terapêuticos.
Os principais sinais e sintomas cardiovasculares da COVID longa são inespecíficos e podem ocorrer mesmo sem relação direta com a infecção viral, o que dificulta o diagnóstico preciso. Dentre estes sinais e sintomas, incluem: angina, Palpitações,dispneia, arritmias, Disfunção ventricular, disfunção autonômica, fadiga tonturaIntolerância à posição ortostática por tempo prolongado
É possível prevenir a COVID longa?
Sim. A vacinação contra a COVID-19 é a principal estratégia para prevenir a Covid Longa e suas complicações, especialmente as cardiovasculares. Estudos mostram que indivíduos vacinados com duas doses têm mais de 40% de redução na incidência de COVID longa quando comparados aos não vacinados. Além de diminuir o risco de desenvolver a condição, a vacinação reduz a gravidade dos sintomas e deve ser especialmente incentivada em grupos de risco. As doses de reforço também são essenciais para garantir essa proteção adicional. Curiosamente, mesmo indivíduos que já apresentam COVID longa e não foram vacinados podem se beneficiar da imunização, com redução na intensidade e duração dos sintomas.
Quanto aos fatores de risco já conhecidos para doenças cardiovasculares e metabólicas, obesidade e tabagismo são os principais ligados ao desenvolvimento da COVID longa. Reduzir o sedentarismo, controlar a glicemia e a pressão arterial também demonstraram benefícios na redução do risco. Do ponto de vista farmacológico, o uso de antivirais na fase aguda pode reduzir levemente a incidência dessa condição, mas nenhum outro tratamento — como anticoagulantes, corticoides ou similares — demonstrou ser eficaz na prevenção ou controle da COVID longa.
Reabilitação cardiovascular após COVID-19
Entre as intervenções para tratar sequela cardiovascular e restaurar a capacidade funcional prévia à infecção, a reabilitação cardiovascular se mostrou a opção mais eficiente e segura em diversos estudos e é fortemente recomendada pelas diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia preventiva.
O grande desafio da reabilitação em pacientes com COVID longa é a heterogeneidade dos sintomas e limitações funcionais: de miocardites graves com comprometimento da função ventricular à disfunção autonômica e fadiga, que pode ser facilmente confundida com outras condições. Por isso, o ponto de partida de qualquer programa de reabilitação é uma avaliação funcional completa — incluindo teste de caminhada de 6 minutos ou similares, avaliação da função pulmonar (sempre com espirometria e, quando possível, teste de difusão de CO), além de testes de força muscular e mobilidade funcional.
Após a avaliação inicial, o paciente deve passar por uma fase de adaptação com estímulos de baixa intensidade: exercícios aeróbios curtos, exercícios de força isotônicos e isométricos, com progressão inicial em volume (tempo de exercício) e, posteriormente, na intensidade. Para o aeróbio, recomenda-se iniciar com intensidade leve (abaixo do primeiro limiar ventilatório ou Borg < 4 na escala 0–10), de forma intercalada. O treino de força pode ser realizado 2 a 3 vezes por semana com baixa intensidade (40%–50% de 1RM ou 4–5 na escala OMNI-RES). A progressão pode ser feita a cada 2 semanas, conforme a resposta do paciente.
Outro ponto essencial na COVID longa cardíaca é a presença de intolerância ortostática (IO) e síndrome da taquicardia postural ortostática (POTS), resultantes de disfunção autonômica. Essa condição compromete o controle da pressão arterial, frequência cardíaca e até funções digestivas, gerando sintomas como. Para manejo da função autonômica é recomendado avaliação do tilt teste e outros testes para avaliação da modulação autonômica.
Análise da VFC na COVID longa
Desde 2022, tive a oportunidade de acompanhar diversos pacientes com COVID longa e, até hoje, novos casos continuam surgindo. Um exame que considero fundamental para avaliar a modulação autonômica nesses pacientes é a análise da Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC). Trata-se de um método não invasivo, simples de aplicar, que pode ser realizado tanto na clínica quanto na casa do paciente, e que fornece informações valiosas sobre a capacidade de regulação do sistema nervoso autônomo — ou, como alguns autores vêm chamando, sobre o "tanque vagal". (Se você ainda não está familiarizado com esse conceito, recomendo a edição da newsletter em que explico o tema — clique AQUI).
Abaixo, apresento a análise de VFC de um paciente de 60 anos, fisicamente ativo, sem histórico conhecido de doença cardiovascular, que após a segunda infecção por COVID-19 passou a apresentar fadiga crônica, sintomas gastrointestinais, intolerância ortostática e episódios de pré-síncope. O exame foi realizado em decúbito dorsal, utilizando a cinta Polar H10 para captação dos intervalos RR pelo aplicativo Elite HRV, e posteriormente analisado no software Kubios.

A interpretação do traçado revela alterações autonômicas relevantes: há uma redução expressiva dos marcadores vagais (como RMSSD, pNN50, PNS Index e componente HF), associada ao aumento de variáveis relacionadas ao predomínio simpático (como SNS Index e Stress Index) e à redução de índices globais de variabilidade (como SDNN e TINN). Um erro muito comum na análise da VFC é avaliar apenas a razão LF/HF — que, neste caso, aparece dentro da normalidade (1,1). No entanto, quando todos os parâmetros estão reduzidos de forma global, a relação LF/HF perde valor interpretativo. O que realmente se observa aqui é uma baixa potência autonômica total, indicando redução de reserva adaptativa, típica de condições de estresse fisiológico crônico, como a COVID longa.
Se quiser aprender mais sobre a VFC, veja a mensagem abaixo:
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Francisco Oliveira
Divulgador científico da Central da Reabilitação
