Newsletter #28- Barorreflexo e Síncope: como o exercício muda o jogo para quem sofre com desmaios

28/07/2025

           Este artigo de pesquisa, desenvolvido por mim junto dos colegas do InCor-HC-FMUSP, durante meu doutorado, que foi publicado no European Heart Journal em 2007, investiga os efeitos do treinamento físico, do treinamento de inclinação (tilt training) e da terapia farmacológica na sensibilidade do barorreflexo arterial e na atividade nervosa simpática muscular (MSNA) em pacientes com síncope neuralmente mediada.

Contexto do estudo 

             A síncope neuralmente mediada, também conhecida como síncope vasovagal, é uma condição caracterizada por desmaios recorrentes, redução da qualidade de vida e muitos episódios de mal-estar e medo de desmaios em lugares públicos. Se hoje os mecanismos fisiopatológicos subjacentes não são totalmente compreendidos, imagine nos 90.  

           Naquela época já sabíamos que havia um comprometimento importante na regulação barorreflexa nessas pessoas. O reflexo mediado pelos barorreceptores e o sistema de controle cardiovascular é o que mantém nossa pressão regulada. Sem perceber esse sistema complexo aumenta e diminui nossa FC para que nossa pressão não reduza e nem aumente de forma significativa.  

          Outra disfunção conhecida é na resistência vascular, possivelmente devido a uma falha na capacidade de vasoconstrição mediada pelo aumento da atividade simpática periférica. É como se os vasos não respondessem ao aumento da atividade simpática, permanecendo abertos, dificultando desta forma o retorno de sangue para o coração. Essa incapacidade faz com que o coração contraia com menor volume de sangue. 

        Embora já existissem naquele momento diversos tratamentos, seus resultados a longo prazo não eram ideais, e a influência dessas estratégias nos mecanismos fisiopatológicos até hoje são pouco estudadas. O pior de tudo que mesmo após quase 30 anos não mudou quase nada. Não existem remédios capazes de diminuir de forma significativa os sintomas das pessoas com diagnóstico de síncope vasovagal.  

           Foi nesse contexto que os pesquisadores da USP resolveram estudar o efeito do treinamento físico como uma estratégia para melhorar a vida dessas pessoas. Para surpresa de muitos após alguns de pesquisa identificamos que o exercício traz diversos benefícios como aumento do volume sanguíneo e da massa muscular das pernas, o que melhora a distribuição do volume sanguíneo central e reduz o acúmulo venoso. Além disso, o barorreflexo arterial está intimamente ligado ao controle circulatório durante o estresse ortostático e o exercício.

Objetivo Principal do Estudo

            O objetivo principal deste estudo foi avaliar os efeitos do treinamento físico no ganho do barorreflexo arterial vagal e simpático em pacientes com síncope neuralmente mediada, comparando-o com outras modalidades de tratamento. 

Métodos

O estudo incluiu 70 pacientes com síncope neuralmente mediada recorrente. Os pacientes foram divididos em quatro grupos, dependendo do tratamento proposto:

        - Treinamento Físico (PT): Os pacientes deste grupo realizou um programa de exercícios supervisionados proposto por mim e a equipe da USP, que vou descrever melhor logo mais. 

        - Treinamento de Inclinação (TT): Grupo que realizou sessões de treinamento de inclinação que consistia em ficar em pé, apoiado na parede com os pés afastados 15 cm. Antes de fazer em casa os voluntários faziam 1 semana de forma supervisionada lá no laboratório.

        - Terapia Farmacológica (PhT): Grupo que recebeu medicamentos como fludrocortisona, beta-bloqueadores ou inibidores da recaptação da serotonina.

        -  Grupo Controle (CO): Grupo que recebeu instruções para otimizar medidas gerais e evitar gatilhos.

          Todos os pacientes foram submetidos a uma avaliação autonômica com um exame chamado de microneurografia. Nesse exame era colocado uma agulha no nervo fibular e ele media a quantidade de disparos do nervo simpático que estimula os vasos periféricos. 

          Para testar o reflexo dos baroceptores, era puncionado uma veia e ofertávamos uma quantidade de fenilefrina (vasoconstritor) e nitroprussiato de sódio (vasodilatador), antes do estudo e 4 meses após as intervenções. Além de avaliar essa parte mais específica do sistema nervoso autônomo, avaliamos também a capacidade física através de um teste cardiopulmonar para avaliar de forma direta o Vo2max. 


Programa de Reabilitação  

           O programa de treinamento físico consistiu em três sessões de 60 minutos por semana, durante 4 meses, incluindo alongamento, exercício aeróbio numa bicleta ergométrica e exercícios de fortalecimento global. A intensidade do exercício foi moderada, estabelecida por níveis de frequência cardíaca correspondentes entre o limiar anaeróbio até 10% abaixo do ponto de compensação respiratória. 

Desfecho do estudo 

          - Sensibilidade do Barorreflexo Arterial: Observamos uma melhora significativa na capacidade barorreflexo. O que significa que o coração e o vago ficaram mais sensíveis e capazes de reagir quando eram infundidas as medicações que promoviam vasodilatação e vasoconstrição. O tilt training, a terapia farmacológica e o grupo controle não apresentaram mudanças significativas nas respostas do barorreceptor.

          -  Capacidade de Exercício (Pico de Consumo de Oxigênio): Pacientes no grupo de treinamento físico apresentaram um aumento acentuado no pico de consumo de oxigênio em comparação com os outros grupos (33±9 vs. 27±8 mL/kg/min, P=0.04).Frequência Cardíaca: O grupo de treinamento físico e o grupo de terapia farmacológica tiveram uma diminuição significativa na frequência cardíaca de repouso. Essa adaptação do grupo exercício traduz uma melhora da atividade vagal e aumento do volume sistólico. 

          -  Atividade Nervosa Simpática Muscular (MSNA): As medidas de MSNA em repouso não foram diferentes entre os quatro grupos. No entanto, o grupo controle apresentou um aumento significativo na MSNA. Esse aumento mostra que o grupo que não fez nada permanecia com o vaso pouco responsivo as variações de pressão. Essa incapacidade do vaso reagir é o principal motivo pelo qual a pessoa desmaia.

Discussão

               Nós fomos os primeiros a mostrar que o treinamento físico foi a melhor intervenção para pessoas que sofriam de síncope vasovagal. Essa "descoberta" gerou uma publicação numa das revistas mais relevantes de cardiologia no mundo e até hoje nosso trabalho é citado em diretrizes e artigos sobre o tema.  

              Nosso estudo demonstrou que o exercício promoveu modificações sistêmicas muito benéficas para as pessoas que viviam com síncope vasovagal, como o aumento do volume sanguíneo e do tônus muscular, otimizando o retorno venoso. O estudo destacou, pela primeira vez, os efeitos de um programa de treinamento físico na sensibilidade do barorreflexo arterial e a ausência de efeitos de outras intervenções terapêuticas disponíveis. A melhora na sensibilidade do barorreflexo arterial é desejável nesses pacientes, pois o aumento da MSNA durante uma queda da pressão arterial pode diminuir o acúmulo venoso e melhorar a redistribuição sanguínea.


Concluindo

           Um programa de reabilitação baseado em exercício melhorou o ganho do barorreflexo arterial vagal e simpático em pacientes com síncope neuralmente mediada, enquanto os outros tratamentos (treinamento de inclinação e terapia farmacológica) não alcançaram os mesmos resultados. Essa descoberta pode justificar a prescrição atual de exercícios no manejo da síncope neuralmente mediada como uma alternativa terapêutica não farmacológica.

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Prof. Giulliano Gardenghi

Divulgador científico da Central da Reabilitação