Newsletter#27- Modelos de Distribuição da Intensidade do exercício aeróbio: O que os atletas podem ensinar à reabilitação?

22/07/2025

Prescrevemos exercício aeróbio da mesma forma que os fisiologistas do esporte?


          Entre todas as intervenções não farmacológicas usadas para restaurar a aptidão física de pessoas com doenças cardiovasculares, respiratórias e metabólicas, o exercício aeróbio, sem dúvidas, é o mais prescrito.
Nos primórdios da prescrição clínica, outras modalidades eram até condenadas por supostos riscos — como o treino de força dinâmico, o isométrico e o treinamento dos músculos inspiratórios — e hoje são considerados pilares essenciais da reabilitação.
            A maioria dos estudos clássicos sobre reabilitação usou como intervenção principal o exercício cíclico: caminhada, esteira, bicicleta, natação… o que chamamos de "exercício aeróbio". Só que os modelos de treinamento para performance em esportes de endurance já são estudados há mais de 100 anos. E quando comparamos como os fisiologistas do esporte organiza esse tipo de treino com o que fazemos na clínica… a diferença é abissal.
           Essa discrepância ficou mais marcante que os treinos que prescrevem pra mim como atleta amador são completamente diferentes dos que prescrevo para meus pacientes. E não é por acaso. Os artigos que leio sobre desempenho esportivo divergem bastante dos estudos clínicos. Até os nomes dados a cada zona de intensidade é diferente e abordei bem esse texto na nossa newsletter mais lida até aqui. (leia AQUI)
          Agora, quero te mostrar como os fisiologistas dos campeões mundiais de endurance estruturam o treino aeróbio dos seus atletas e comparar com os modelos mais usados na clínica. Porque talvez… a gente tenha muito o que aprender com quem faz isso há mais tempo do que nós.
        

Quais são os modelos de distribuição do treinamento aeróbio?

              Existem pelo menos 8 modelos descritos na literatura, considerando a divisão em 3 zonas de intensidade (leve, moderada e alta). A figura abaixo, retirada de um artigo excelente (que está no nosso site), ilustra isso bem.
                Mas aqui, vamos focar nos 4 modelos mais usados: o modelo de limiar, o polarizado, o piramidal e o norueguês.
Antes de continuar, pensa aí:Qual modelo você usa com seus pacientes? E com você mesmo?

Modelo de Limiar (Threshold)


               É o mais comum na reabilitação e também já foi usado no treinamento de corrida. Neste modelo cerca de 80% do tempo total é realizado na zona 2, ou seja, entre aos limiares fisiológicos. Esse modelo gera um estresse fisiológico relevante e relativamente seguro, ajudando a deslocar os limiares para a direita e aumentando o VO₂ máximo (embora em menor grau).Mas tem um problema: identificar os limiares sem teste direto da análise de gases pode ser impreciso e seu paciente pode estar realizando o exercício no modelo "D"ou "A"e você achando que está no "E".

              Atualmente, no esporte de alto rendimento, esse modelo não é o preferido. Muitos treinadores argumentam que treinar muito tempo nessa intensidade aumenta o risco de lesão e não entrega os melhores resultados. O desgaste é alto e os ganhos, limitados — principalmente pra quem treina muitas horas por semana.

Modelo Polarizado


                Queridinho dos treinadores de atletas de elite. 

Aqui, a divisão é clara: 80% do volume em zona 1 (leve) e 20% em zona 3 (alta intensidade)

A regra é simples: o treino leve precisa ser realmente leve — e o forte, realmente forte.

Quem treina muito em zona 2 acaba fazendo um treino leve que é moderado e um treino forte que acaba sendo fraco. A fadiga acumulada atrapalha as sessões intensas. Esse modelo tem respaldo em diversas metanálises e funciona muito bem para atletas (profissionais ou amadores) que conseguem acumular alto volume de treino.

Mas… será que funciona para pacientes que toleram pouco tempo de exercício? Na minha opinião esse modelo não se encaixa bem em programas de reabilitação cardiorrespiratória. 

Eu acho que para atletas lentos como eu também não funciona bem. Já tentei treinar nesse modelo… mas não consegui. O treino leve demais me desanimava. Achava muito lento, entediante, e eu não conseguia engajar nesse treino. Mas isso sou eu. Não conheço a realidade de atletas de verdade e o que eles pensam disso. 

🔺 Modelo Piramidal


Esse é o meu favorito para treinar.A maior parte do volume também é na zona 1, mas com presença razoável de treino em zona 2 e um pouco na zona 3. É uma distribuição mais equilibrada.Na clínica, vejo esse modelo como promissor:

  • O treino leve melhora controle autonômico e metabolismo de gordura;

  • O moderado estimula os limiares;

  • E as intensidades mais altas ajudam no ganho de VO₂ e tolerância ao esforço.

Faz sentido, não?

🇳🇴 Método Norueguês


          A "nova febre" do endurance.Ficou famoso com os resultados incríveis dos atletas noruegueses, como Jakob Ingebrigtsen e os triatletas olímpicos. Mas diferente do que muitos acham, não é um modelo polarizado.Na verdade, os estudos mostram que esse método é uma variação piramidal com foco no limiar, com algo em torno de:

  • 80% em zona 1
  • 15–20% em zona 2
  • Quase nada em zona 3

          Mas o grande diferencial não está apenas  na distribuição das intensidades — e sim no controle fisiológico ultra-rigoroso. O treino é guiado por lactato:

  • Zona 1: abaixo de 2 mmol

  • Zona 2: entre 2,5 e 3,5 mmol

  • Zona 3: acima de 4 mmol

        Além disso, há controle de frequência cardíaca, percepção de esforço, análise da VFC… tudo visando controlar a carga interna, e não apenas o estímulo externo. Funciona? Com certeza.Mas exige estrutura, tecnologia e um profissional extremamente bem preparado. Na clínica, ainda é difícil aplicar isso com nossos pacientes.

E como fica a periodização?

               Esse é outro ponto pouco debatido na clínica, mas absolutamente essencial no esporte.
A periodização organiza a evolução do treinamento ao longo das semanas ou meses, com variações planejadas de volume e intensidade, para que o atleta (ou paciente) atinja o melhor desempenho possível no momento certo.
Um modelo interessante mostra o seguinte:

  • Início da temporada: alto volume e baixa intensidade;
  • Fase intermediária: modelo piramidal;
  • Próximo da competição: modelo polarizado.

               Faz sentido pensar algo parecido na reabilitação, não?Mas isso é assunto pra uma próxima edição…

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Nos vemos na próxima edição.


Forte abraço,

Francisco Oliveira

Divulgador científico – Central da Reabilitação