Newsletter#26- Tanque vagal: conheça as três funções do nervo vago

14/07/2025

A teoria do tanque vagal e o que ela pode nos contar sobre sua saúde

                Quão saudável você realmente é? Quanto estresse físico ou emocional seu corpo consegue suportar sem quebrar? Será que o exercício que você vem fazendo — ou a ausência dele — está ajudando ou atrapalhando sua saúde?


               Perguntas difíceis, né? E já aviso: não tenho respostas prontas pra nenhuma delas aqui. Mas nessa 26ª edição da nossa newsletter da CentralFlix, quero te apresentar um caminho possível para acessar essas respostas de forma mais profunda, concreta e fisiológica.

                Nos últimos anos, o sistema nervoso autônomo (SNA) tem chamado a atenção de fisiologistas, neurocientistas, médicos, psicólogos, coaches, atletas e terapeutas em geral. Mais especificamente, o nervo vago - parte principal do sistema nervoso parassimpático — virou protagonista como um marcador global de performance, saúde e capacidade de autorregulação.

                 Faz mais de 10 anos que venho estudando e aplicando a análise da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) em diversos cenários. Já realizei centenas de registros e sempre defendi que todo profissional da saúde deveria saber mensurar e interpretar a modulação autonômica, já que quase tudo que fazemos e que toda doença cardiorrespiratória interfere nesse eixo.

                  Mas foi neste ano que dois artigos mudaram o rumo da minha jornada com a VFC e o sistema nervoso autônomo. O primeiro mostrou resultados impressionantes do uso da estimulação vagal em pacientes com POTS, me chamando muito atenção sobre o potencial dessa técnica. O segundo artigo foi ainda mais marcante, pois me apresentou a Teoria do Tanque Vagal, o tema central da nossa conversa de hoje.


Conhecendo um pouco mais sobre o nervo vago

                  O termo vago não tem nada a ver com estar desocupado ou ser "vagal" no sentido da vagabundagem. O nome vem do latim vagus, que significa errante, "aquele que vaga". E faz jus ao nome: esse nervo atravessa quase todo o corpo, com ramificações que passam pelo cabeça, pescoço, e os sistemas gastrointestinal, cardiovascular, respiratório e imunológico...


                    As fibras vagais liberam acetilcolina (ACh) como neurotransmissor, que age em dois tipos principais de receptores: os nicotínicos, presentes na junção neuromuscular e em regiões do sistema nervoso central, e os muscarínicos, divididos em cinco subtipos (M1–M5). o vago funciona muito mais como um sistema de "escuta" do que de comando., já que 80% das suas fibras são sensoriais (aferentes), e apenas 20% são motoras (eferentes). 


                    A porção aferente leva sinais vitais das vísceras para o cérebro vindas dos barorreceptores, ventrículos, átrios, receptores cardiopulmonares e uma dezena de outros reflexos mediados por este nervo. A sua porção eferente atua em funções como controle da frequência cardíaca, fala, deglutição, digestão e respostas viscerais que mantêm o corpo em equilíbrio.


                    Além das funções fisiológicas mais conhecidas — como reduzir a frequência cardíaca em repouso —, a atividade vagal está ligada à regulação imunológica, à clareza cognitiva, à resiliência emocional e à capacidade de se recuperar do estresse físico e mental.


Sendo assim, te pergunto: não parece importante avaliar se esse nervo está funcionando bem? Não te parece interessante ter um nervo vago forte, responsivo e adaptável?

A metáfora do Tanque Vagal


             A Teoria do Tanque Vagal, proposta por Laborde e colegas (2018), é uma forma muito didática e interessante de representar a modulação parassimpática como um tanque de combustível que:

    - Pode estar cheio ou vazio (atividade vagal de repouso);
    - Pode ser esvaziado durante os diversos tipos de estresse (psicológico, físico ou fisiológico);
    -Precisa ser recuperado ou reabastecido (descanso, sono, estratégias de recuperação ou mesmo com exercício cronicamente bem prescrito.)


              A partir desse entendimento, fica mais fácil enxergar a VFC de repouso como uma ferramenta útil para avaliar o "tamanho do tanque". De forma geral, quanto maior for sua VFC em repouso, maior tende a ser sua reserva fisiológica para lidar com situações de estresse físico ou mental.


               Embora essa relação entre alta VFC de repouso e boa reserva fisiológica seja válida em parte, estudos mais recentes mostram que avaliar apenas o repouso pode não ser suficiente. Hoje, muitos autores defendem a análise da VFC durante algum nível de estresse controlado, como na ortostase ou em exercícios de baixa intensidade. Esse tipo de abordagem permite observar como o tanque esvazia na prática, ou seja, como o sistema nervoso parassimpático responde frente a uma demanda real.
         

                Mais importante do que simplesmente ter uma VFC alta em repouso, é observar o quanto dessa reserva é mantida durante estímulos leves. Avaliar a VFC nesse contexto pode aumentar a sensibilidade da medida e permitir uma melhor distinção entre indivíduos bem treinados e aqueles com menor capacidade adaptativa.


             E a terceira analogia da Teoria do Tanque Vagal é igualmente relevante: quanto tempo leva para o tanque encher novamente? Após o evento estressor, é a atividade vagal que lidera o processo de recuperação. Quanto mais rápida for essa recuperação, melhor a capacidade de autorregulação do organismo. Enquanto atletas conseguem restabelecer o equilíbrio autonômico em minutos, indivíduos destreinados podem levar horas — ou até dias — para recuperar totalmente a função vagal após um desafio fisiológico ou emocional.

 Os 3 R's da Teoria do Tanque Vagal

Entendo a teoria do tanque fica claro que as funções do nervo vago podem ser dividas nos 3R's:

- Repouso: O tônus vagal basal. Um "tanque cheio" está associado a melhor saúde física, emocional e cognitiva.

- Reatividade: É a forma como o corpo responde a um estressor. Dependendo do tipo de desafio, tanto uma retirada leve quanto uma retirada intensa da atividade vagal podem ser adaptativas.Exemplo: para resolver um cálculo de cabeça, uma leve retirada. Para fugir de um pitbull, uma retirada total.

- Recuperação: A capacidade de repor o tanque após o estresse. Uma recuperação rápida indica boa capacidade autonômica e maior reserva funcional.

Os 3R's da atividade vagal
Os 3R's da atividade vagal

Como medir isso na prática?


                Utilizamos a variabilidade dos intervalos RR do ECG como um marcador indireto da atividade vagal. Os principais índices utilizados são:

- RMSSD e pNN50 são índices que avaliam a modulação vagal no domínio do tempo;

- HF (alta frequência), no domínio da frequência;

- SD1 e outras medidas não lineares também fornecem informações adicionais sobre a modulação autonômica.

              Esses parâmetros, que antes só podiam ser obtidos com eletrocardiograma em ambiente controlado, hoje podem ser acessados por meio de wearables, como relógios, anéis e monitores de pulso, ampliando as possibilidades de avaliação de forma prática, contínua e acessível.

Na imagem superior uma mulher de 40 anos, hígida, com VFC normal. Na imagem inferior um paciente de 68 anos, portador de polineuropatia amiloidótica familiar. Doença degenerativa que acomete nervos periféricos e autonômicos.
Na imagem superior uma mulher de 40 anos, hígida, com VFC normal. Na imagem inferior um paciente de 68 anos, portador de polineuropatia amiloidótica familiar. Doença degenerativa que acomete nervos periféricos e autonômicos.

Quer aprender a avaliar o nervo vago na prática?


             Em breve, vou abrir as inscrições para o curso completo de Reabilitação Autonômica e Variabilidade da Frequência Cardíaca. Serão encontros ao vivo comigo e com o Prof. Giulliano, onde você vai aprender a:

✅ Avaliar o sistema autonômico com base na VFC de forma prática e aplicada, além de testes autonômicos

✅ Reabilitar pessoas com as mais diversas disautonomias e ampliar seu leque de atuação.


            Se você faz parte da Centralflix é claro que você vai ter acesso a tudo isso sem custos adicionais!


             No nosso site você encontra os dois artigos que fundamentaram esta edição e outros textos sobre os assuntos mais diversos dentro da nossa área. Acesse
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Um abraço,


Chico

Divulgador Científico Central Central da Reabilitação